quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Negro em horário nobre, não dá ibope.




As criticas à personagem de Tais Araujo na novela das 8, em Viver a Vida, não se resumem aos telespectadores insatisfeitos com a "atuação" da atriz que tem dado banho em protagonistas de outros tempos.

Aguinaldo Silva, autor de 5 das 12 novelas de maiores audiências da Rede Globo, em entrevista ao IG, deixou claro que o problema em Tais está que "não se pode ter uma negra na novela com traços brancos, com costumes brancos".

Calma, antes desse assunto, vamos apresentar devidamente a nossa primeira e única protagonista negra – com exceção da novela Da Cor do Pecado, onde Tais Araujo também foi a atriz principal da trama. Peço encarecidamente que nosso querido leitor, se questione do por que do título da primeira novela que traz uma negra com destaque, se chama DA COR DO PECADO.

Voltemos a “Viver a Vida”, rsrs:

Tais Araújo, filha de um economista e de uma pedagoga que investiram “sem pena” em sua educação e de sua irmã – médica - como coisas primordiais, encarou o preconceito nu em escolas que eram “territórios brancos”. Desde cedo, disse a atriz, “soube como funcionava o país, pois olhava a sua volta e não conseguia me identificar”. A atriz relembra episódios como de um dia, na escola, em que um colega quis saber se quem lhe pagava a mensalidade era a patroa da mãe dela – supondo que fosse filha de uma empregada doméstica.

A carioca, que morou até os 8 anos num subúrbio da Zona Norte, o Méier, também se identifica com o ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, ganhador de um Premio Nobel da Paz, por se opor ao apartheid, que obrigava a separação dos negros e os brancos, ficando os negros, sem direitos políticos e econômicos.

A atriz também não mediu esforços para ver, de perto, a posse do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, querendo ser testemunha daquele momento histórico, principalmente, por uma questão de raça.

A moça vive na novela, uma modelo de 30 anos, no auge de seu reconhecimento, numa carreira milionária. Quando se fala em representações brasileiras no exterior, seu nome não é nem cogitado, ela é INTIMADA a ir. Com toda razão, inclusive.

Helena, sua personagem na trama, é rica. Com o dinheiro que ganha nas passarelas, ajuda a sustentar a mãe e a irmã, esta ultima, que tem um filho de um bandido que nada faz da vida, - claro, alguém na novela tinha que garantir o gene negro das tramas-. Helena se casou com um executivo, nada mais, nada menos, do que: José Mayer.

Um dia, andando por algum lugar que não me recordo, vi a capa de uma das revistas de fofoca das novelas com a manchete: “Público exige morte de Helena”. Este fato me chamou atenção para assistir a novela e checar se a atuação da carioca estava tão péssima assim. O engraçado é que constatei o contrário. Tirando fato de Tais Araujo estar meio “deslocada” da trama como um todo, sem ter muito nexo nem com a sua própria família, ela está arrasando em suas atuações, porém não consegue cair nas graças do publico, diferentemente de Aline Moraes, que interpreta uma riquinha mimada, insuportável e que tem uma rixa pessoal e profissional com Helena, o que fez com que as pessoas tomassem partido pela riquinha, torcendo, inclusive para que Helena tivesse ficado tetraplégica no lugar de Luciana, a Aline.

Não é nada comum personagens como a mimadinha Luciana agradarem ao público... e muito menos comum, que uma protagonista boazinha demais, amiga de todos, que sofre muito e que está apaixonada por um sedutor nato, vivendo um belo romance, não agrade este mesmo público.

Lendo a entrevista de Aguinaldo Silva, eu comecei a entender o porquê disso tudo, dessa inversão de empatia e apatia que está acontecendo na novela do Maneco.

Helena é muito negra para uma protagonista. Leia-se muito: é bem resolvida, independente, usa os cabelos crespos e enrolados e por outro lado... é rica, tem vaidades, é bonita, apresentável e deslumbrante. Isso não é comum nas novelas da TV Globo, muito menos no horário nobre. Estamos acostumados a ver negras nas novelas de época, isso porque elas não poderiam ser excluídas da representação do tempo escravista. Elas aparecem como amas de leite, como empregadas domésticas, como, no máximo, uma amiga de alguém com papel secundário. Ver uma negra bem sucedida é querer “torná-la branca” demais.

Aguinaldo compara a atuação de Tais como a representação de casais gays nas telinhas, que são “muito comportados”, sendo meras reproduções de casais hetero. (Queria realmente saber o que ele quis dizer com isso.......) afirmando que: “O que falta a essa Helena (papel de Taís Araújo) é o componente racial. Você não pode ter uma atriz negra na novela como se fosse uma branca.”

Será que o plin-plin da globo prefere negras sambando só na época dos desfiles de carnaval? O que Helena tem de branca?A posição social? As roupas? O par romântico? Porque a família é negra, sofre discriminação, a irmã namora bandido. O cabelo é negro. O choro é negro... o que é branco em Helena? A alma é negra...e mais negra ainda, é a sua raça.

A questão aqui retratada reflete em alto e bom som o problema brasileiro de auto-afirmação e de autoconhecimento da sua identidade miscigenada. O brasileiro não quer ser negro, não quer ter parentesco negro. Mal sabe o brasileiro, que herdou e mamou das tetas de suas amas de leite escravas, o DNA da força, da revolta, da indignação. Mal sabem os brasileiros que são herdeiros de uma nação de garra, de beleza e de resistência. Deveríamos ter orgulho da nossa multietnia. Graças aos escravos, em especial os africanos, temos essa mistura de cor, de sangue, de danças, de ritmos, de crenças, de igualdade e de diferença.




* fontes:

Portal Geledés Instituto da Mulher Negra

http://www.geledes.org.br